quinta-feira, 22 de junho de 2017

Um pouco

Tenho um pouco de moleza

no corpo, que me faz

bocejar, enquanto coço,

o peito do pé, com o pé

vendo a vida passar.


Tenho um pouco de medo,

que me faz vacilar

como menino, antes da hora

da briga enfeiada.


Tenho um pouco,

só até na hora.

Depois tenho um

tanto de muito,

me envolvendo, crescendo

correndo prá cima,

pulando na briga.


É o homem segurando

o menino,fazendo-o

crescer, ensinando

que o medo só

lhe foi ensinado

por terem medo

do homem que

existia no menino.


Tenho pouco de moleza.

Tenho um pouco de medo.

Tenho um pouco de homem e menino.


Hugo Ferreira Zambukaki

quinta-feira, 15 de junho de 2017

“Coloridos e Colorizadores”

“Aqui corre sangue, e é calunga!”

“por isso nos ensinam a forma

de pensar, comer, agir/ de dividir colorindo”

Ferreira e Huguinho

Na maioria das discussões de internet e faceibuques, não me meto. Dá muito trabalho seguir posts gigantescos, e comentários maiores ainda. Os famosos textões, com pouco conteúdo e nenhuma lógica...

Creio se você tem um ponto diferente, escreva um artigo, mas sem jargões acadêmicos para o outro entender que você está discordando e ofendendo. Sou de uma geração, se você não morresse, não fosse parar na FEBEM (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor) no Tatuapé, ou no Carandiru depois, bom seria ter uma profissão de nível superior. Ah a FEBEM é a versão atual da Fundação Casa e o “Carandirú” o Cadeião de Pinheiros.

Se formado (época da ditadura) cuidado para não cair no DEOPS. Também escapei da “academia”, na época anos 70, mestrados, especialização, doutorados, pós-doutorados, MBA só para quem seguia carreira acadêmica. Ser profissional valia mais a “prática, que a gramática” e seus jargões, salário era o mesmo.

Nos anos cinquenta ainda se encontrava moedas com Brasil escrito com Z, muita gente ainda escrevia “Brazil”, é que as regras da ortografia e conceitos mudam de tempos em tempos. Não sei se para melhor.

Meu pai cursou em 1929 a Escola Militar do Realengo (RJ) que formava oficiais para o Exército, onde também Luís Carlos Prestes se formara e foi professor. Esses oficiais vindos das classes mais pobres, viam a educação como uma forma libertadora dos jugos das elites oligárquicas.

Éramos em 5 irmãos, 3 mulheres e 2 homens. Á todos a prioridade de minha mãe e pai foi a educação para os filhos. Na década de 40 os colégios internos eram o melhor destino para uma educação de qualidade. Colégio militar para os filhos, e colégio de freiras para as filhas. Foi o caminho dos meus irmãos, não o meu.

Carteira de motorista Ferreira

Meu pai nasceu em 1896 no norte de Minas Gerais, saiu de casa aos 13 anos e nunca mais voltou. Entrou no Exército como soldado raso, foi revolucionário no movimento tenentista, fez carreira no Exército como oficial. Tinha sua perna esquerda metralhada, no peito uma bala não retirada (muito próxima do coração), risco de baioneta no braço, e na mão faltava uma falange.

“Pardo” o filho mais escuro, discutiu com seu pai e nunca mais voltou, seu pai era loiro, em Minas Gerais as relações eram diferentes do Nordeste, havia mobilidade social nos campos de mineração, e pobres casavam com pobres.

Minha mãe carioca, de uma família moura mais antiga que Portugal, de militares, advogados, juízes e políticos. Tiveram seu auge no Império, com a República perderam seus bens, ou ficaram com os mais espertos. Meu avô materno morreu cedo, minha avó casou pela segunda vez. Minha mãe com o segundo casamento de avó foi morar com os parentes. O Rio de Janeiro, entrelaçou essas histórias.

Sou filho temporão, diferença quase vinte anos do meu irmão mais velho, treze de minha irmã mais nova. Nasci em 1946 meu pai já reformado do Exército, estava com 50 anos, minha mãe com 36 anos na época idade de avós. De São Paulo fomos morar em São Vicente, minha mãe tinha problemas de pressão alta.

Meu irmão formou-se advogado em 1955, na Faculdade de Direito de Niterói no Rio de Janeiro, colega de turma um filho de baiano nascido em São Vicente, Esmeraldo Tarquínio Filho, na época poucas faculdades, filhos de famílias pobres formavam-se em Niterói. Autodidatas trabalhavam como provisionados (advogados sem formação acadêmica).

A casa de meus pais em São Vicente, era um quilombo cheio de sol, voltado para a integração na sociedade. Uns “moreninhos” como Sílvio Caldas, Esmeraldo alegravam com suas vozes e violão. Na época dos anos 50 éramos “delicadamente” chamados de uma “família de cor”. Na ofensa família de pretos! Nunca descobri que era negro, preto, ou “de cor”. Sempre fui, orgulho de minha origem, história e lutas.

Hugo OAB 1977

Há 40 anos - 1.977 / No olho do furacão.
"Geração anos 70:
"Somo crioulo doido e somo bem legal.
Temos cabelo duro é só no black power…sou brasileiro..." https://www.youtube.com/watch?v=U-vPiPvnsuc

Camaleão, espelho distorcido das imagens, de quem se enxerga. Formei-me em 1975 advogado, tive problemas com a foto oficial de minha carteira, em função de meu cabelo “Black Power” da época.

Não tenho culpa da ignorância e racismo de ninguém.

Independentemente de cor e tonalidade de pele éramos calungas (como os vicentinos se tratam). Companheiros de luta pela inclusão social na sociedade, diferentes de origem, mas de um mesmo navio negreiro chamado Brasil.

Calunga ou Kalunga é o nome atribuído a descendentes de escravos fugidos e libertos das minas de ouro do Brasil central que formaram comunidades autossuficientes

Gentílico: Calunga e/ou Vicentino, são pessoas nascidas na cidade de São Vicente do Estado de São Paulo.

Hugo Ferreira Zambukaki


terça-feira, 6 de junho de 2017

Treze de maio de 1978, Eduardo de Oliveira e Oliveira.

Em 2017 fazem 39 anos das mobilizações em São Paulo, Falar das movimentações sem falar de sociólogo Eduardo de Oliveira e Oliveira é contar a história sem o início. Um crônica de 2012 mostra um pouco dessa energia motriz dessas mobilizações, questionando os Noventa anos de abolição que marcavam 1978. Nossos respeitos aos companheiros pioneiros dessas lutas.


Homenagem ao companheiro Eduardo de Oliveira e Oliveira, intelectual “militante negro e incansável disseminador da cultura negra no país e no exterior”.
( Inventário analítico da Coleção EDUARDO DE OLIVEIRA E OLIVEIRA” Vera A. Lui Guimarães e Maria Cristina P. Innocentini Hayashi da Universidade Federal de São Carlos).



Em 1.978 comemoravam-se os Noventa Anos da Abolição da Escravidão. A forma comum era ”Concursos de Bonequinhas do Café” e outros títulos bizarros. No Largo “Paiçandú em São Paulo, ao lado da Igreja, erguia-se palanques para os representantes da “burguesia” da “Comunidade Negra” receberem o Governador (nomeado pela Ditadura Militar) e altas autoridades.
Eduardo de Oliveira e Oliveira brilhante sociólogo e militante negro, organizou vários eventos em comemoração onde militantes novos e antigos (desde os jornalistas da “Imprensa Negra” e os integrantes da Frente Negra Brasileira. Nesses debates mostravam-se uma realidade diferente da apresentada nos palanques da Ditadura Militar.
Através desses contatos de militantes de várias gerações, jovens universitários negros, uniram-se. Com um sentido de continuidade, de uma luta pela libertação de um povo escravizado, não de um povo de escravos submissos. Relatos de rebeldia, ação organizada, formação de partidos políticos (A Frente Negra transformada em Partido Político foi fechada em 1937 pela Ditadura do Estado Novo).


Várias ações surgiram no ano de 1.978 o “Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial”, transformado em “Movimento Negro Contra a Discriminação Racial”, com visões de “Frente aberta de entidades”, depois uma entidade Movimento Negro Unificado – MNU.
Os “Cadernos Negros” coletâneas de literatura, lançando um livro por ano até hoje. Iniciativas persistentes, resistente, libertárias e vivas.
Iniciadas com as atividades do brilhante sociólogo, acadêmico e militante negro Eduardo de Oliveira e Oliveira. Eduardo juntava a academia com militância. Elegante, hábil debatedor, amigo e companheiro.
Eduardo de Oliveira e Oliveira, “o sociólogo” morreu tragicamente em 1.980.
... “mulato e brasileiro”, é encontrado morto em seu apartamento em completo estado de inanição auto-infligida. Reconhecido pelos seus colegas como talentoso e polêmico.
- Modernidade, identidade e suicídio: o “judeu” Stefan Zweig e o “mulato”. Eduardo de Oliveira e Oliveira. Monica Grin.
“Se isso é verdade, a história do mundo é a história, não de
indivíduos, mas de grupos, não de nações, mas de raças
(...)”.
W.E.B. Du Bois, 1897


Por que uma homenagem com visões acadêmicas? E não uma crônica, ou conto?
Ontem uma pesquisadora acadêmica, afirmava em um debate de forma sutil, que o movimento negro de São Paulo, seguia os conselhos das palavras do Padre Vieira, e tinham uma visão conformada sobre a discriminação.
“O que haveis de fazer é consolar-vos muito com estes exemplos, sofrer com muita paciência os trabalhos do vosso estado, dar muitas graças a Deus pela moderação do cativeiro a que vos trouxe, e, sobretudo, aproveitar-vos dele para o trocar pela liberdade e felicidade da outra vida, que não passa, como esta, mas há de durar para sempre (VIEIRA)”
“não há trabalho, nem gênero de vida no mundo mais parecido à cruz e paixão de Cristo, que o vosso em um destes engenhos” (Vieira).
Outro religioso, um frei hoje nos mostra com sua prática outra realidade do cidadão brasileiro afrodescendente.
Ao Eduardo de Oliveira de Oliveira que nos mostrava o caminho em 1978, e ao Frei David Santos caminhante dos dias de hoje, abridor de trilhas e estradas minhas homenagens:


IDÉIA ENORME PAIXÃO
Quando morrer
não irei para o céu
não sou manso
nem pacífico
não viro a face
para o segundo bofetão
ergo o punho fechado
na boca palavrão
Como tenho lealdade
uma ideia enorme paixão
luto como oprimido
penso e medito
quando morrer
irei pró quilombo
e lá me dirão
chegou outro irmão
Do Ciclo Negras Palavras – 1.978
Hugo Ferreira


Publicado originalmente no Recanto das Letras

Enviado por Hugo Ferreira em 13/05/2012

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Quem se parece com macaco?


Volta e meia, vem o fruto maravilhoso da ideologia de dominação do racismo, a comparação do negro como o macaco. Já lá nos anos 50 fui “ensinado” que era inferior por meus “ancestrais terem sido tirados das árvores e trazidos para o Brasil”.

homem-macaco 2

Infelizmente marcou minha existência, e até hoje tenho de trabalhar comigo mesmo o fato de sermos iguais. Ao tomar contato com as notícias vejo um caso de racismo em Alagoas:

“Estudante alagoana é chamada de 'macaca' em postagem nas redes sociais”

http://www.tnh1.com.br/noticias/noticias-detalhe/alagoas/estudante-negra-e-chamada-de-macaca-em-postagem-nas-redes-sociais/?cHash=6cca04c13b9b779dd3cb15e43f9676d8

Nem vou comentar, o ato racista e preconceituoso que se seguiu. Todo defensor dos direitos humanos e ativista dos movimentos negros, é descaracterizado, é colocado como racista, vitimista ou rancoroso. É o considerado “mimimi” das redes sociais. Há um texto maravilho de João Ubaldo Ribeiro, de maio de 2014 que esclarece essa semelhança com o macaco:

João Ubaldo Ribeiro

O negro e o macaco

Uma das mais clamorosas - e para mim enervantes - manifestações do atraso da espécie humana é esse negócio de raça. A importância que damos à raça, a ponto de odiar-se, matar-se e morrer-se por causa dela, leva inevitavelmente ao lugar-comum: seria ridícula, se não fosse trágica. É difícil encontrar um assunto sobre o qual se digam tantas besteiras quanto este, sempre ignorando não só evidências antropológicas como dados da própria realidade cotidiana. E é também bastante difícil falar sobre ele ou debatê-lo. Muita gente perde o controle, espuma de raiva e afoga o debate em gritos e denúncias.

Começa pela ligação, que aqui sempre se faz, entre escravidão e raça. Falou, em escravos, falou em negros. Mas a maior parte dos escravos na história da humanidade não era de negros, o que lá seja isto. A escravidão, para generalizar razoavelmente, era o destino dos vencidos de qualquer raça, que não fossem exterminados. Inclusive, é claro, pois do contrário é que não seriam humanos, os da raça negra vencidos por outros da mesma raça, caso dos escravos vendidos ao Brasil.

É comum a noção de que "negro é negro", como se as incontáveis etnias negras se considerassem iguais. Isso equivale a entender que um alemão é igual a um polonês, um sueco igual a um italiano ou um espanhol igual a um russo. Não pode haver disparate maior - e, se bem olhado, racista - do que achar que, num continente gigantesco e diversificado como a África, todos os negros são iguais e, mais bobamente ainda, irmãos. Irmãos em Cristo e, assim mesmo, se não forem muçulmanos. Vão perguntar se as minorias negras massacradas por nações também negras se consideram irmãs de seus algozes, ou estes daquelas. Ou aos escravos negros de outros negros, situação até hoje existente na África. Há até quem se escandalize com guerras e genocídios entre nações negras. Ué, e guerra de branco contra branco?

Desculpem se atropelo argumentos, mas é que o assunto me deixa nervoso também e me dá uma certa exasperação. Agora me ocorre interromper o que vinha dizendo para lembrar outra prática enervante: falar em cultura africana. Não existe, nem pode existir, uma cultura africana, em nenhum sentido. Aplica um reducionismo grotesco aquele que - e lembro outra vez o tamanho e a complexidade da África - acha que só existe uma cultura negra ou africana. De novo, é um argumento que, se bem olhado, pode ser considerado racista. Existe a cultura africana dos povos a que pertenciam os que foram trazidos para o Brasil como escravos, o que é muito diferente de dizer que ela é "a cultura africana". Experimentem convidar um zulu para jantar e servir a ele comida ioruba, como na Bahia. Defender a existência de uma única cultura africana ou negra é insultuoso, ignorante e racista.

Aplicar padrões sociológicos americanos para o problema, no Brasil, é outra prática difícil de aturar. E faço a ressalva sempre exigida de que claro que no Brasil há racismo, patati-patatá. Mas a Bahia não é o Alabama. Já na década de sessenta, um casal, numa das Virgínias do sul dos Estados Unidos, foi condenado a dois anos de prisão porque era inter-racial, ou seja, um dos dois era negro. As Forças Armadas só foram integradas na guerra da Coreia e qualquer um que tenha vivido nos Estados Unidos sabe que lá é diferente e ou criamos nossas próprias categorias para examinar nossa realidade, ou prosseguiremos macaqueando até mesmo o racismo alheio.

Escrevi "macaqueando" aí em cima, sem de início lembrar a alusão a macacos em recentes incidentes de racismo no futebol. Mas ela vem a calhar, nesta salada que estou servindo hoje. É curioso como não paramos para pensar e notar que, quesito por quesito, algum racista negro teria razões para alegar que macaco é o branco e não o negro, o qual pode ser visto como muito mais distante do macaco que o branco. Se é verdade, não sei, nem isto tem importância alguma, mas pensem aqui num par de coisas. Imaginem, por exemplo, um ser inteligente de outro planeta, portanto não sujeito aos nossos condicionamentos, a quem incumbíssemos de esclarecer qual das duas raças é mais próxima do macaco. Para tanto, poríamos diante dele um branco nu, um negro nu e um chimpanzé, nosso primo próximo.

O primeiro impacto talvez fosse a cor e, de fato, o pelo do chimpanzé, assim como a pele do negro, é preto. Mas o bom observador não ia deixar-se levar por essa aparência. Façamos um exame cuidadoso e uma listazinha, junto com ele. O macaco é todo coberto de pelos, o corpo do negro é glabro, o branco pode ser o Tony Ramos; os pelos do macaco são lisos, os cabelos do branco também, os cabelos dos negros são crespos; raspado o pelo, a pele do macaco por baixo se revela branca e não preta; os lábios do macaco são finos, os do branco também, os dos negros são grossos; o macaco não tem bunda, o branco tem bunda chata, o negro tem bunda almofadada; até - perdão, senhoras - os renomados atributos masculinos dos negros são mais distantes do macaco, que é tipo piu-piu. Como se vê, basta escolher o que se quer levar em conta e, pelo menos neste exemplo perfeitamente plausível, o extraterrestre poderia concluir que o branco está bem mais perto do macaco que o negro.

Tudo bobagem, discussão que não leva a nada, somente ao ódio e à intolerância. Vamos parar de procurar modelos, ao menos nisto não sejamos tão colonizados, não permitamos que mais lixo contamine nosso pensamento. Os americanos é que têm obsessão por raça (lá nós, brasileiros, somos "hispânicos"), nós temos é a glória e o privilégio de ser o único país em que homens e mulheres de todas as raças se misturaram e misturam e onde a raça, Deus há de ser servido, ainda terá o lugar que merece, ou seja, nenhum.”

João Ubaldo Ribeiro, O Estado de S.Paulo

04 Maio 2014